Debate
Transporte por tração animal em Pelotas volta à pauta
Tema antigo deve ter encaminhamento assim que prefeitura e IFSul firmarem convênio para criação de protótipo
Jô Folha -
De um lado pessoas que defendem os direitos dos animais. Do outro, as que têm nos equinos o principal meio de sobrevivência. Entre as duas pontas, o freteiro Ilto Moreira que teme o seu futuro. A discussão sobre pôr um fim nos Veículos de Tração Animal (VTAs) é antiga em Pelotas e ganha coro a cada cena de maus-tratos flagrada. Há quem defenda a implementação de ações públicas como um novo grupo que está mobilizado para lutar pela causa. A iniciativa é recente, mas será mais uma voz em defesa dos animais depois que a Lei Municipal de Proteção Animal perdeu a validade ano passado.
"Somos um grupo de pessoas que estamos criando uma Organização Não Governamental na cidade com o intuito de contribuir com os gestores no estabelecimento de projetos de leis (PLs), para que esse sistema (tração animal) tenha fim", ressaltou uma das integrantes, Cynthia Leal. Ela explica que não é uma ONG de recolhimento e cuidados aos cavalos. "Sabemos de todas as dificuldades para que isso ocorra, mas com projeto, com força política e com medidas eficazes de assistência, com certeza, livraremos Pelotas dessa época medieval." Aliado aos protetores de animais, a prefeitura também faz a sua parte, através da criação de um protótipo que possa substituir esse meio de transporte.
Inconstitucionalidade
Em 2016, a lei municipal 6.321, de autoria do então vereador Ivan Duarte (PT), parecia dar um fim no assunto. Com o Programa de Proteção Animal, o município, entre outras atribuições, deveria elaborar um projeto de substituição total das VTAs por outras formas de tração até no máximo quatro anos. Um ano depois de encerrado o prazo, em 2021, uma ONG de Porto Alegre moveu ação na 4ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública, alegando descumprimento da normativa.
Como foi julgada procedente, o Executivo teria três meses para resolver a questão, mas decidiu recorrer da ação alegando inconstitucionalidade, por ser uma lei criada pelo Poder Legislativo para ser executada pela gestão municipal, mas gerando gastos ao erário. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou procedente e a lei 6.321 perdeu seus efeitos, assim como novos recursos que foram solicitados, não tiveram acolhimento da Justiça. O titular da Secretaria de Governo e Ações Estratégicas, Fábio Machado, garante que mesmo a lei sendo invalidada, o Executivo cumpre com a demanda e o próximo passo será o convênio a ser firmado entre prefeitura e Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul).
A minuta está em fase de elaboração e deve ser analisada pelo Instituto. Uma vez firmada a parceria, os alunos irão confeccionar um protótipo para começar a substituição dos veículos de tração animal na cidade. O projeto poderia estar bem adiantado, já que a proposta foi criada e apresentada no ano passado por estudantes do IFSul e seria feita por egressos das Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que desistiram por dificuldades estruturais. Conforme a assessoria do IFSul, somente após a assinatura desse convênio é que será lançado um edital interno para o desenvolvimento do objeto. O presidente do Comitê Municipal de Proteção Animal (Comupa), Henrique Fetter, garante que essa parceria deve ser oficializada em breve e vai além do protótipo. "Ela prevê várias ações, como cursos para pessoas com problemas sociais e que dependem do animal para o sustento". Um deles é seu Ilto Martins Moreira, citado no início da matéria, que está na contramão da polêmica.
Fiscalização
Dos 59 anos de vida, 40 são dedicados exclusivamente ao trabalho com frete em sua charrete, na avenida Saldanha Marinho. "Se me tirarem vai ser brabo. Vou ter um prejuízo grande. É só o que eu sei fazer na vida", lamentou Ilto Moreira, ao lembrar que criou os dois filhos, hoje adultos, só com o que ganhou com o serviço informal. Ele sabe que a pressão para substituir o animal é forte, mas se defende, dizendo que bastaria uma fiscalização eficaz. "Eles acham que a gente maltrata o animal. Como eu vou fazer isso com quem mais eu dependo para sobreviver?" questionou. Na rotina, o cavalo recebe o primeiro alimento às 6h. Depois, quando já estão no aguardo de clientes, um balde com água e grama ficam à disposição. Como o dia era de chuva, na última segunda-feira, uma capa plástica protegia o equino que, mesmo parado, não sentia o peso da charrete, sustentada por uma estaca.
"Esse senhor é um exemplo de cuidado com seu animal", gritou o gerente de vendas de um estabelecimento em frente ao ponto, Gustavo Zluhan, 41, ao perceber a presença da reportagem. O trabalhador explica que só realiza fretes de pequenos percursos, ao custo de R$ 30,00, o que possibilita que pessoas de baixa renda possam contratar o serviço. Moreira lamenta, no entanto, aqueles que não podem oferecer a mesma condição aos seus animais. "Estamos lidando com um ser, um parceiro de lida".
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